Sobre a pontuação peculiar
Data de lançamento: 29.11.2021 | Porto Editora
“Como passei das crónicas ao romance? Não sei. Agora, mudança? Eu acho que não... Eu acho que me encontrei num certo momento da vida e provavelmente encontrei-me no Levantado do Chão, que é um livro que foi escrito daquela maneira pelo facto de eu ter estado no Alentejo e de ter ouvido contar histórias. Estive no Alentejo em 1976 e saí de lá com o livro todo arrumado na cabeça. O livro foi escrito três anos depois, sendo certo que escrevi o Manual de Pintura e Caligrafia e Objecto Quase provavelmente (há algum exagero nisto, mas apetece-me dizê-lo) porque não sabia como havia de escrever o Levantado do Chão. E a prova de que eu não sabia como havia de escrever o Levantado do Chão encontra-se talvez no meio dos papéis que tenho para aí, onde é possível ver o momento em que ele nasceu.
Acabei por me decidir a escrever o livro, sabia o que queria contar, mas aquilo não me agradava, havia uma resistência em escrever o livro; mas comecei a escrevê-lo, fui até à página vinte e tal e de repente, sem reflectir, sem pensar, sem planear, sem ter posto de um lado os prós e do outro lado os contras, achei-me a escrever como hoje escrevo."
Reis, Carlos (1998). Diálogos com Saramago. Lisboa: Caminho, p. 28