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Imagem: Mise-en-abyme, de Crisp Linens
"Eu diria que a epígrafe me ajuda, no sentido de que ela é já uma proposta: é como se a epígrafe já me apresentasse o campo de trabalho onde depois a narrativa se vai desenvolver. No caso do Ensaio sobre a Cegueira, isso é claríssimo: "Se podes olhar vê, se podes ver repara". Ou seja: caro leitor, dê atenção àquilo que eu lhe vou contar. Tirando o caso d' O Ano da Morte de Ricardo Reis, em que as citações não são minhas, normalmente aparecem-me de um Livro dos Conselhos, inexistente, de facto. Mas essa é uma pecha antiga, porque a verdade é que, na Jangada de Pedra, há duas citações, uma de Estrabão, que diz «A Ibéria tem a forma duma pele de boi» e depois aparece por baixo uma outra citação de um anónimo português, que diz «A Península Ibérica tem a forma duma jangada». Se calhar tudo isto é um pouco borgiano, suponho eu, com todo o jogo de referências e de citações e de falsas citações, até. Mas já na primeira edição d' A Bagagem do Viajante, publicada em 1973, há uma epígrafe que diz assim: «É muito raro poder dizer-se que uma viagem é perfeita antes de acabar, mas acontece»; do Manual do Viajante. Portanto esta tineta das epígrafes, retiradas de livros que não existem, é do tempo em que eu não sabia muito bem ainda o que é que eu iria ser...
Reis, Carlos (1998). Diálogos com Saramago. Lisboa: Caminho, pp. 89-90